Aenaria: a fascinante história da cidade italiana que desapareceu há 2 mil anos após uma erupção vulcânica

Nas profundezas do Golfo de Nápoles, a ilha de Ísquia guarda vestígios de uma cidade romana outrora próspera, Aenaria, cujo destino foi selado por uma erupção vulcânica há cerca de dois mil anos. Este sítio arqueológico subaquático oferece uma janela única para a vida e o comércio na Roma Antiga, revelando detalhes de uma civilização que floresceu e foi subitamente engolida pelas forças da natureza. A descoberta e o estudo de Aenaria contribuem significativamente para a compreensão da presença romana em regiões vulcânicas e da resiliência das comunidades antigas.

A Ilha de Ísquia e sua História Antiga

Ísquia, a maior ilha do Golfo de Nápoles, possui uma história milenar moldada por sua geologia vulcânica. Conhecida na antiguidade como Pithekoussai pelos gregos, foi um dos primeiros assentamentos gregos no Ocidente, estabelecido por volta do século VIII a.C. Sua localização estratégica e recursos naturais, incluindo argila para cerâmica e fontes termais, atraíram diversas civilizações ao longo dos séculos. A atividade vulcânica, embora fonte de fertilidade e recursos, também representou uma ameaça constante, com erupções e terremotos moldando a paisagem e o destino de seus habitantes.

A presença grega em Pithekoussai foi marcada por um intenso comércio e produção de cerâmica, com oficinas que exportavam seus produtos por todo o Mediterrâneo. A ilha serviu como um importante entreposto comercial antes mesmo da ascensão de Roma. Com o tempo, a influência romana na região da Campânia cresceu, e Ísquia, como outras áreas costeiras, foi integrada ao vasto império. A transição de Pithekoussai para um assentamento romano trouxe novas dinâmicas econômicas e sociais, culminando no estabelecimento de Aenaria.

A Ascensão de Aenaria: Um Centro Romano no Mar

Aenaria emergiu como um assentamento romano significativo na ilha de Ísquia, provavelmente durante o período imperial. Embora os detalhes exatos de sua fundação permaneçam objeto de estudo, as evidências arqueológicas indicam que a cidade prosperou como um porto e centro de produção. A escolha do local para Aenaria, possivelmente na costa leste da ilha, foi estratégica, facilitando o acesso às rotas comerciais marítimas do Golfo de Nápoles e além.

A economia de Aenaria estava intrinsecamente ligada ao mar e aos recursos locais. A produção de cerâmica, uma herança da tradição grega de Pithekoussai, continuou a ser uma atividade vital. Foram encontrados vestígios de fornos e oficinas de cerâmica, sugerindo uma indústria robusta que produzia ânforas para o transporte de vinho e azeite, bem como utensílios domésticos e materiais de construção. Aenaria também se beneficiou da pesca e da agricultura em terras férteis, enriquecidas por solos vulcânicos.

A cidade funcionava como um ponto de conexão para o comércio regional, ligando Ísquia a outras cidades costeiras da Campânia, como Puteoli (atual Pozzuoli) e Neapolis (Nápoles), e a portos mais distantes. A presença de um porto ativo implicava uma infraestrutura desenvolvida, incluindo docas, armazéns e edifícios administrativos, embora grande parte disso permaneça submersa e ainda não totalmente explorada.

A Vida Cotidiana em Aenaria

Os achados arqueológicos em Aenaria oferecem vislumbres da vida cotidiana de seus habitantes. A estrutura da cidade, embora parcialmente submersa, revela um planejamento urbano típico romano, com ruas, edifícios públicos e residências. A população era composta por comerciantes, artesãos, pescadores e agricultores, refletindo a diversidade econômica do assentamento.

A cultura material recuperada do sítio inclui uma variedade de artefatos que ilustram os hábitos e costumes da época. Fragmentos de cerâmica, moedas, ferramentas e objetos pessoais fornecem informações sobre a dieta, as práticas comerciais, as crenças e o nível de vida dos moradores de Aenaria. A presença de ânforas de diversas origens indica a amplitude das redes comerciais da cidade, com produtos importados e exportados.

Aenaria, como outras cidades romanas, provavelmente possuía templos, termas e outros espaços públicos que serviam como centros da vida social e religiosa. A proximidade com as fontes termais naturais de Ísquia pode ter influenciado a construção de instalações balneares, que eram essenciais para a higiene e o lazer na sociedade romana. A vida em Aenaria era, portanto, uma mistura de trabalho árduo, comércio vibrante e atividades sociais e culturais, tudo sob a sombra constante da atividade vulcânica da ilha.

O Evento Cataclísmico: O Desaparecimento de Aenaria

O destino de Aenaria foi selado por um evento cataclísmico há aproximadamente dois mil anos, provavelmente uma erupção vulcânica ou um terremoto associado à atividade sísmica do Monte Epomeo, o principal vulcão de Ísquia. A data exata e a natureza precisa do evento ainda são objeto de pesquisa, mas as evidências indicam que a cidade foi submersa e soterrada de forma abrupta, preservando-a sob as águas e sedimentos marinhos.

A erupção ou o terremoto causou um colapso costeiro e um deslizamento de terra submarino, que arrastou partes da cidade para o fundo do mar ou as cobriu com detritos vulcânicos. Este processo de soterramento e submersão, embora destrutivo para a população da época, foi fundamental para a preservação do sítio arqueológico. Ao contrário de Pompeia e Herculano, que foram cobertas por cinzas e lavas, Aenaria foi engolida pelo mar, o que apresenta desafios e oportunidades únicas para a arqueologia.

A ausência de registros históricos detalhados sobre o desaparecimento de Aenaria sugere que o evento pode ter sido localizado ou que a cidade não era de importância primária para os cronistas romanos. No entanto, a magnitude da destruição e a subsequente submersão indicam um fenômeno natural de grande escala, que alterou permanentemente a geografia costeira da ilha.

A Redescoberta Arqueológica Subaquática

Aenaria permaneceu esquecida por quase dois milênios, até que a arqueologia moderna começou a revelar seus segredos. A redescoberta do sítio ocorreu através de pesquisas subaquáticas, que identificaram estruturas e artefatos romanos no fundo do mar ao redor de Ísquia. A arqueologia subaquática é uma disciplina complexa, exigindo equipamentos especializados e técnicas de escavação adaptadas ao ambiente marinho.

Os trabalhos de exploração e escavação em Aenaria são conduzidos por equipes de arqueólogos e mergulhadores especializados. A visibilidade limitada, as correntes marítimas e a profundidade representam desafios constantes. No entanto, o ambiente subaquático também oferece condições de preservação excepcionais para certos tipos de materiais, como madeira e cerâmica, que se deteriorariam rapidamente em terra.

A utilização de tecnologias avançadas, como sonares de varredura lateral, magnetômetros e veículos operados remotamente (ROVs), tem sido crucial para mapear o sítio e identificar áreas de interesse antes das escavações diretas. A documentação meticulosa de cada achado, sua posição e contexto é fundamental para reconstruir a história da cidade e o evento que a soterrou.

Revelações do Sítio Arqueológico

As escavações em Aenaria têm revelado uma riqueza de informações sobre a cidade romana. Entre os achados mais significativos estão os vestígios de edifícios, incluindo paredes, fundações e pisos, que delineiam a planta urbana. Foram identificadas áreas que provavelmente correspondiam a oficinas de cerâmica, com a descoberta de fornos e grandes quantidades de fragmentos de cerâmica, incluindo ânforas e telhas.

A cerâmica recuperada é particularmente valiosa para a datação do sítio e para a compreensão das redes comerciais. As ânforas, muitas vezes marcadas com selos de produtores, indicam a origem dos produtos transportados e os destinos para os quais eram enviados. A presença de cerâmica local e importada ilustra a dinâmica econômica de Aenaria como um centro de produção e um ponto de intercâmbio.

Além da cerâmica, foram encontrados outros artefatos que oferecem uma visão mais íntima da vida em Aenaria. Moedas romanas, ferramentas de metal, pesos de pesca e fragmentos de objetos de uso diário contribuem para um quadro mais completo da sociedade que habitava a cidade. A preservação de alguns materiais orgânicos, como madeira, em condições anóxicas sob o sedimento marinho, é uma possibilidade que pode revelar ainda mais detalhes sobre a tecnologia e os recursos utilizados.

Aenaria no Contexto da Civilização Romana

A descoberta e o estudo de Aenaria são importantes para a compreensão da civilização romana por várias razões. Primeiro, ela oferece um exemplo de um assentamento romano em uma ilha vulcânica, complementando o conhecimento obtido de sítios terrestres como Pompeia e Herculano. Aenaria demonstra a capacidade romana de se adaptar e prosperar em ambientes desafiadores, explorando os recursos locais e estabelecendo rotas comerciais.

Segundo, o sítio contribui para a compreensão da economia marítima romana. Como um porto e centro de produção de cerâmica, Aenaria desempenhou um papel na vasta rede de comércio que ligava as províncias do império. O estudo de suas ânforas e outros bens comerciais ajuda a mapear as rotas de transporte e a identificar os produtos mais comercializados na região do Golfo de Nápoles.

Terceiro, Aenaria fornece informações sobre a vida provincial romana, que muitas vezes diferia da vida nas grandes metrópoles. A cidade era um centro de atividade local, com suas próprias indústrias e dinâmicas sociais, mas também estava integrada ao sistema imperial. A análise de seus achados permite comparar e contrastar a vida em Aenaria com a de outras comunidades romanas, enriquecendo a perspectiva sobre a diversidade cultural e econômica do império.

Preservação e Perspectivas Futuras

A preservação do sítio arqueológico de Aenaria é uma prioridade. O ambiente subaquático, embora protetor, também é vulnerável a fatores como a pesca de arrasto, a poluição e as mudanças climáticas. Esforços contínuos são necessários para monitorar o sítio, proteger seus artefatos e garantir que as futuras gerações possam continuar a aprender com suas descobertas.

As pesquisas em Aenaria estão em andamento, e o potencial para novas descobertas é considerável. A exploração de áreas ainda não escavadas pode revelar mais estruturas, artefatos e até mesmo restos humanos, que poderiam fornecer informações adicionais sobre a população da cidade e os momentos finais de sua existência. O estudo contínuo do sítio contribuirá para uma compreensão mais profunda da história de Ísquia, da presença romana na Campânia e da interação entre a civilização humana e as forças naturais.

Aenaria representa um testemunho da resiliência e da engenhosidade dos romanos, bem como da força implacável da natureza. Sua história, embora marcada por uma tragédia, continua a ser contada através dos vestígios que emergem das profundezas, oferecendo uma conexão tangível com um passado distante e uma civilização que moldou o mundo.

Fonte: https://www.bbc.com/portuguese/articles/cpv07371vl1o?at_medium=RSS&at_campaign=rss

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