Sweida: Um Enclave Sírio com Laços Venezuelanos Profundos
A cidade de Sweida, situada no sul da Síria, destaca-se no cenário do Oriente Médio por uma característica demográfica singular: aproximadamente 20% de sua população possui origem venezuelana. Este fato confere à localidade o apelido de “Pequena Venezuela”, refletindo uma história complexa de migração e retorno que moldou sua identidade. Recentemente, Sweida tem sido palco de tensões e confrontos, envolvendo tanto a comunidade drusa local quanto grupos beduínos, com relatos de intervenções de forças governamentais e até mesmo da força aérea israelense na região.
O Coração da Comunidade Drusa na Síria
Sweida é reconhecida como a capital da comunidade drusa na Síria, um grupo etnorreligioso com uma fé monoteísta distinta, que se estabeleceu na região há séculos. Os drusos, conhecidos por sua coesão social e por um histórico de autodefesa, habitam principalmente áreas montanhosas do Levante, com comunidades significativas na Síria, Líbano e Israel. Na Síria, a província de Sweida é o principal reduto druso, onde a maioria da população adere a esta fé.
A localização geográfica de Sweida, em uma área relativamente isolada e montanhosa, contribuiu para a preservação de sua identidade cultural e religiosa ao longo do tempo. Historicamente, a região desfrutou de um grau de autonomia, navegando pelas complexas dinâmicas políticas do Império Otomano e, posteriormente, do Estado sírio moderno. Esta autonomia relativa permitiu à comunidade drusa desenvolver suas próprias estruturas sociais e de segurança, essenciais para sua sobrevivência e prosperidade.
A Gênese da Conexão Venezuelana
A presença de uma parcela tão significativa de descendentes de venezuelanos em Sweida é resultado de ondas migratórias que remontam ao início do século XX. No final do Império Otomano e durante o período do Mandato Francês na Síria, muitos drusos, buscando melhores oportunidades econômicas e fugindo da instabilidade política e das dificuldades sociais em sua terra natal, empreenderam uma jornada para as Américas. A Venezuela, em particular, emergiu como um destino atraente.
As políticas de imigração venezuelanas da época, juntamente com a promessa de terras férteis e oportunidades de trabalho, atraíram milhares de sírios, incluindo muitos drusos de Sweida. Eles se estabeleceram em diversas cidades venezuelanas, construindo comunidades prósperas, dedicando-se ao comércio, à agricultura e a outras atividades econômicas. Ao longo das décadas, essas famílias mantiveram laços culturais e, em muitos casos, familiares com sua terra de origem, Sweida.
O Fluxo Migratório Inverso: Retorno à Síria
A virada do século XXI testemunhou uma inversão nesse fluxo migratório. A partir do final dos anos 1990 e, de forma mais acentuada, nas últimas duas décadas, a Venezuela enfrentou uma série de crises econômicas e políticas. A hiperinflação, a escassez de bens básicos, a instabilidade social e a deterioração das condições de vida levaram muitos venezuelanos, incluindo os descendentes de drusos sírios, a buscar refúgio e novas oportunidades em outros lugares.
Para muitos desses indivíduos, Sweida, a terra de seus ancestrais, representou um porto seguro inesperado. Apesar da eclosão da Guerra Civil Síria em 2011, a província de Sweida conseguiu manter uma relativa estabilidade em comparação com outras regiões do país. A comunidade drusa, através de suas próprias milícias e acordos complexos com o governo sírio, conseguiu evitar os piores combates diretos que assolaram grande parte da Síria.
Este cenário de relativa segurança, combinado com os laços familiares e culturais preexistentes, incentivou o retorno de milhares de descendentes de sírios-venezuelanos. Eles trouxeram consigo não apenas suas experiências e culturas adquiridas na Venezuela, mas também, em muitos casos, recursos financeiros que ajudaram a sustentar a economia local. O retorno desses indivíduos contribuiu para a notável proporção de 20% da população de Sweida com origem venezuelana, transformando a demografia e a dinâmica social da cidade.
Sweida no Contexto da Guerra Civil Síria
A posição de Sweida durante o conflito sírio foi única. Enquanto grande parte da Síria era devastada por combates entre forças governamentais, grupos rebeldes e organizações extremistas, a província de Sweida conseguiu, em grande parte, manter-se à margem dos confrontos mais intensos. A liderança drusa, buscando proteger sua comunidade e preservar sua autonomia, adotou uma política de autodefesa e, em muitos momentos, de neutralidade armada.
As milícias drusas locais, como os “Homens da Dignidade”, desempenharam um papel crucial na manutenção da segurança interna e na defesa contra incursões de grupos extremistas, como o Estado Islâmico, que tentaram penetrar na província. Essa capacidade de autogoverno e autodefesa permitiu que Sweida se tornasse um refúgio para deslocados internos de outras partes da Síria, além de atrair os retornados da Venezuela.
No entanto, a relativa calma de Sweida não significou isolamento total. A província foi afetada indiretamente pela guerra, sofrendo com a deterioração da economia síria, a escassez de recursos e a pressão demográfica. A complexa relação com o governo sírio, que busca reafirmar sua autoridade sobre todo o território, e a presença de diferentes grupos armados na região, adicionaram camadas de complexidade à situação de segurança.
Tensões e Conflitos Recentes
Apesar de sua relativa estabilidade, Sweida não está imune a conflitos internos e externos. Recentemente, a cidade e seus arredores foram palco de confrontos entre membros da comunidade drusa e grupos beduínos. Essas tensões frequentemente surgem de disputas por terras, recursos hídricos, rotas de contrabando e, por vezes, de atos de criminalidade, como sequestros e roubos, que se intensificaram em meio à anarquia e à escassez econômica generalizada na Síria.
Os confrontos entre drusos e beduínos são um reflexo das pressões socioeconômicas e da fragilidade do Estado sírio em impor a lei e a ordem em todas as suas regiões. A ausência de uma autoridade central forte e a proliferação de armas contribuem para a escalada de disputas locais, que podem rapidamente se transformar em conflitos armados.
Nesse contexto de instabilidade, foram relatadas intervenções de diversas forças. O exército do governo sírio, buscando manter o controle e a ordem, ocasionalmente interveio em áreas de conflito. Além disso, a região de Sweida, como parte do espaço aéreo sírio, tem sido palco de operações da força aérea israelense. Essas operações, geralmente direcionadas a alvos associados a grupos apoiados pelo Irã ou a comboios de armas, são parte da estratégia de Israel para conter a influência iraniana na Síria e, embora não diretamente ligadas aos conflitos internos druso-beduínos, contribuem para a complexidade e a volatilidade da situação de segurança na província.
Desafios Atuais e o Futuro de Sweida
Sweida enfrenta uma série de desafios significativos. A crise econômica síria, agravada por sanções internacionais e pela destruição da infraestrutura, impacta diretamente a vida dos moradores. A escassez de combustível, alimentos e medicamentos é uma realidade diária. A província também lida com a pressão de uma população crescente, incluindo os retornados da Venezuela, que buscam oportunidades em um ambiente econômico limitado.
A segurança continua sendo uma preocupação primordial. A presença de grupos armados, a criminalidade organizada e as tensões intercomunitárias exigem uma gestão cuidadosa por parte da liderança drusa. A capacidade de Sweida de manter sua autonomia e proteger sua população dependerá de sua habilidade em navegar pelas complexas relações com o governo sírio, com as potências regionais e com os diversos atores locais.
A “Pequena Venezuela” de Sweida permanece um testemunho da resiliência humana e da interconexão global. Sua história de migração e retorno, suas características demográficas únicas e sua posição estratégica no sul da Síria a tornam um ponto de interesse crucial para entender as dinâmicas sociais e políticas do Oriente Médio contemporâneo. A cidade continua a ser um lar para uma comunidade que, apesar das adversidades, preserva sua identidade e seus laços com um passado transcontinental.
Fonte: https://www.bbc.com/portuguese/articles/c3ezxeqvdxxo?at_medium=RSS&at_campaign=rss
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