Por que bairro em que você nasceu determina até onde você vai subir na vida, segundo pesquisador

A trajetória de vida de um indivíduo no Brasil é moldada por uma complexidade de fatores que vão além do mérito individual ou da escolaridade. Pesquisas recentes, como as apresentadas pelo economista Michael França em seu novo livro, destacam que o local de nascimento, a raça, o gênero e a origem social exercem uma influência determinante no percurso de cada pessoa, desafiando a noção de que a educação, por si só, é suficiente para mitigar as desigualdades sociais no país.

A discussão central aborda como as estruturas sociais e geográficas preexistentes podem limitar ou expandir as oportunidades, independentemente do esforço pessoal. O ponto de partida na vida, definido pelo bairro e pela condição socioeconômica da família, estabelece um conjunto de vantagens ou desvantagens que se perpetuam ao longo dos anos, impactando o acesso a recursos e a capacidade de ascensão social.

O Bairro de Nascimento e Suas Implicações

O local onde uma pessoa nasce e cresce não é apenas um endereço; é um ecossistema que oferece ou restringe acesso a serviços essenciais, segurança e redes de apoio. Bairros com infraestrutura precária, alta criminalidade e escassez de equipamentos públicos de qualidade tendem a limitar as perspectivas de seus moradores desde a infância. A ausência de saneamento básico, iluminação pública adequada e transporte eficiente, por exemplo, afeta diretamente a qualidade de vida e o tempo disponível para estudo ou trabalho.

A qualidade das escolas públicas varia drasticamente entre diferentes regiões. Crianças que frequentam instituições de ensino com professores bem qualificados, recursos didáticos abundantes e um ambiente propício ao aprendizado têm uma base educacional mais sólida. Em contraste, escolas em áreas desfavorecidas frequentemente carecem desses elementos, resultando em um ensino de menor qualidade que compromete o desenvolvimento acadêmico e as chances de ingresso em universidades de prestígio ou no mercado de trabalho formal.

Além da educação formal, o bairro influencia o acesso a oportunidades de emprego. Áreas mais afastadas dos centros econômicos ou com pouca oferta de transporte público limitam a mobilidade dos moradores, dificultando o acesso a vagas de trabalho que exigem deslocamento. A rede de contatos sociais, ou capital social, também é moldada pelo ambiente local. Em bairros com maior dinamismo econômico e social, as pessoas tendem a ter acesso a redes mais amplas e diversificadas, que podem abrir portas para novas oportunidades profissionais e pessoais.

A segurança pública é outro fator crítico. Viver em áreas com altos índices de violência afeta a saúde mental, a liberdade de ir e vir e a capacidade de concentração nos estudos ou no trabalho. O medo e a insegurança podem levar ao isolamento social e à diminuição das expectativas de futuro, criando um ciclo vicioso de desvantagens.

Raça e Gênero: Marcadores de Desigualdade

A pesquisa de Michael França reforça que a raça e o gênero são eixos estruturantes da desigualdade no Brasil, interseccionando-se com a origem social e o local de moradia. Pessoas negras, por exemplo, enfrentam barreiras históricas e sistêmicas que se manifestam em diversas esferas da vida. A discriminação racial no mercado de trabalho, no acesso à educação de qualidade e no tratamento por instituições públicas e privadas é um obstáculo persistente à ascensão social.

Mesmo com o mesmo nível de escolaridade e experiência profissional, indivíduos negros frequentemente recebem salários menores e têm menos oportunidades de progressão na carreira em comparação com seus pares brancos. A representatividade em posições de liderança é significativamente menor, refletindo um teto de vidro racial que impede o avanço profissional.

Para as mulheres, as desigualdades de gênero se manifestam na disparidade salarial, na sobrecarga de trabalho doméstico e de cuidado não remunerado, e na menor participação em cargos de liderança. A maternidade, em particular, pode impactar a trajetória profissional feminina, com muitas mulheres enfrentando dificuldades para conciliar carreira e família, ou sendo penalizadas no mercado de trabalho após o nascimento dos filhos.

A interseção de raça e gênero agrava ainda mais a situação. Mulheres negras, por exemplo, enfrentam uma dupla discriminação, sendo as mais afetadas pelas desigualdades salariais e pela precarização do trabalho. Seus desafios são potencializados pela combinação de preconceitos raciais e de gênero, limitando severamente suas chances de mobilidade social e econômica.

A Origem Social e o Capital Herdado

A origem social, ou seja, a condição socioeconômica da família de nascimento, é um dos pilares da desigualdade. Famílias com maior capital econômico podem investir em educação privada de qualidade, cursos extracurriculares, intercâmbios e outras experiências que enriquecem o currículo e ampliam as perspectivas dos filhos. Além disso, o capital cultural, transmitido no ambiente familiar, como o acesso a livros, viagens e discussões intelectuais, contribui para o desenvolvimento de habilidades e conhecimentos que são valorizados no ambiente acadêmico e profissional.

O capital social, ou seja, a rede de contatos e relacionamentos, é outro ativo valioso herdado da família. Filhos de pais com profissões de prestígio ou com ampla rede de contatos podem ter acesso facilitado a estágios, empregos e oportunidades de mentoria que não estão disponíveis para aqueles de origens mais humildes. Essas conexões podem ser decisivas para o ingresso em determinadas carreiras ou para a superação de obstáculos no mercado de trabalho.

A pesquisa aponta que a reprodução da desigualdade social ocorre, em grande parte, pela transmissão intergeracional desses diferentes tipos de capital. Crianças nascidas em famílias de baixa renda e em bairros desfavorecidos enfrentam um ponto de partida significativamente mais desafiador, com menos recursos e oportunidades para competir em pé de igualdade com seus pares de origens mais privilegiadas.

Educação: Necessária, Mas Não Suficiente

Apesar de ser um pilar fundamental para o desenvolvimento individual e social, a educação, por si só, não é capaz de resolver as profundas desigualdades do Brasil, conforme os achados do pesquisador. A crença de que a escolaridade é o único motor da ascensão social ignora as barreiras estruturais que persistem.

A disparidade na qualidade do ensino público, já mencionada, é um fator crucial. Mesmo que todos tenham acesso à escola, a qualidade do aprendizado varia imensamente. Um diploma de uma universidade de ponta, por exemplo, tem um peso muito diferente de um diploma de uma instituição com menor reconhecimento ou recursos limitados. Isso se reflete diretamente nas oportunidades de emprego e nos salários.

Além disso, o mercado de trabalho brasileiro não é um campo de jogo nivelado. A discriminação, seja ela racial, de gênero ou por origem social, pode limitar o acesso a certas profissões ou a promoções, mesmo para indivíduos altamente qualificados. O “efeito credencial” pode ser mitigado por preconceitos arraigados, que valorizam mais a origem ou a rede de contatos do que a competência técnica.

A pesquisa sugere que, para que a educação cumpra seu papel de motor de mobilidade social, é preciso que ela seja acompanhada de políticas que combatam as desigualdades estruturais. Investir apenas em mais anos de estudo, sem abordar as disparidades de qualidade, a segregação espacial e as discriminações no mercado de trabalho, pode não gerar o impacto esperado na redução da desigualdade.

A Mobilidade Social no Contexto Brasileiro

A mobilidade social no Brasil é historicamente limitada. O país apresenta um cenário onde a origem social tem um peso considerável na determinação do destino. A pesquisa de Michael França contribui para a compreensão dessa realidade, mostrando que a “herança” do bairro de nascimento, da raça, do gênero e da origem familiar é um fardo ou um privilégio que se carrega por toda a vida.

A ascensão social é um processo complexo, que exige não apenas esforço individual, mas também um ambiente propício e a superação de barreiras sistêmicas. Para muitos, a “escada social” é íngreme e escorregadia, com poucas oportunidades de subir e um risco constante de queda. Para outros, a escada é mais suave, com degraus mais largos e apoios que facilitam a subida.

Os achados do pesquisador indicam que a desigualdade no Brasil não é apenas uma questão de renda, mas uma teia complexa de desvantagens acumuladas que se manifestam em diferentes dimensões da vida. A segregação espacial, a discriminação e a reprodução intergeracional de privilégios e desvantagens são elementos que perpetuam um cenário de baixa mobilidade social.

Compreender esses mecanismos é fundamental para qualquer discussão sobre o futuro do país. A complexidade das desigualdades exige uma análise multifacetada, que vá além das soluções simplistas e reconheça a profundidade das raízes históricas e sociais que moldam as trajetórias individuais no Brasil.

Fonte: https://www.bbc.com/portuguese/articles/c0r70rvznzyo?at_medium=RSS&at_campaign=rss

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