A Cidade de Gaza e as regiões do norte de Gaza enfrentam uma situação de fome confirmada, um marco alarmante que foi oficialmente declarado por um órgão de classificação de segurança alimentar ligado à Organização das Nações Unidas (ONU). Esta confirmação representa a primeira vez que a fome é declarada em qualquer área desde o início do conflito em curso, sublinhando a gravidade da crise humanitária que se desenrola na região.
Agências da ONU e organizações humanitárias têm alertado consistentemente para uma crise que descrevem como “totalmente provocada pelo homem”. Estes alertas destacam as complexas interações de fatores que contribuíram para a deterioração da segurança alimentar, incluindo restrições ao acesso humanitário, deslocamento massivo de populações e a destruição de infraestruturas essenciais.
Em contraste, o governo de Israel tem negado a existência de fome na região, apresentando dados e argumentos sobre os esforços de entrega de ajuda. Simultaneamente, as forças israelenses continuam a preparar e executar operações militares na Cidade de Gaza, o que, segundo as agências humanitárias, agrava ainda mais os desafios logísticos e de segurança para a distribuição de assistência vital.
Confirmação da Fome e Seus Critérios
A confirmação da fome foi emitida pela Classificação Integrada de Fases de Segurança Alimentar (IPC, na sigla em inglês), uma iniciativa multipartidária que estabelece padrões globais para classificar a segurança alimentar e a desnutrição. O relatório da IPC indicou que a fome (Fase 5 da IPC) é iminente ou já está presente em áreas do norte de Gaza, incluindo a Cidade de Gaza.
Para que uma situação seja classificada como fome (Fase 5 da IPC), três critérios devem ser atendidos simultaneamente: pelo menos 20% das famílias enfrentam uma extrema escassez de alimentos; mais de 30% das crianças sofrem de desnutrição aguda; e pelo menos duas em cada 10.000 pessoas morrem diariamente devido à fome ou à combinação de desnutrição e doenças.
Os dados coletados e analisados pela IPC, em colaboração com parceiros humanitários no terreno, apontam para a superação desses limiares em várias comunidades no norte de Gaza. A análise da IPC projeta que, sem uma mudança significativa no acesso à ajuda e nas condições de segurança, a fome pode alastrar-se a outras áreas da Faixa de Gaza nos próximos meses.
Esta classificação é baseada em uma avaliação rigorosa de indicadores como consumo de alimentos, meios de subsistência, estado nutricional e mortalidade. A metodologia da IPC é reconhecida internacionalmente e serve como um guia crucial para a resposta humanitária global.
A Crise “Totalmente Provocada Pelo Homem”
As agências da ONU, incluindo o Programa Alimentar Mundial (PAM), o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e o Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA), têm reiterado que a crise de segurança alimentar em Gaza é resultado direto de ações e restrições humanas.
Um dos principais fatores apontados é a severa restrição ao acesso de ajuda humanitária. A entrada de alimentos, água, medicamentos e outros suprimentos essenciais tem sido intermitente e insuficiente para atender às necessidades da população. Os pontos de passagem terrestres têm operado com capacidade limitada, e os procedimentos de inspeção têm sido descritos como demorados e imprevisíveis.
Além disso, a destruição generalizada de infraestruturas civis, incluindo estradas, edifícios residenciais, hospitais e sistemas de água e saneamento, tem comprometido a capacidade de produção e distribuição de alimentos dentro de Gaza. A agricultura local foi severamente afetada, com terras cultiváveis danificadas e acesso a recursos como sementes e fertilizantes interrompido.
O deslocamento forçado de mais de 1,7 milhão de pessoas, que representa mais de 75% da população de Gaza, também contribuiu significativamente para a crise. As pessoas deslocadas vivem em abrigos superlotados ou em condições precárias, com acesso limitado a alimentos, água potável e saneamento básico, o que aumenta o risco de doenças e desnutrição.
As operações militares em curso também têm um impacto direto na capacidade das agências humanitárias de operar com segurança e eficácia. A insegurança e os riscos associados aos combates dificultam a movimentação de comboios de ajuda e a distribuição de suprimentos, especialmente nas áreas mais afetadas do norte.
A Posição de Israel e as Operações Militares
O governo de Israel tem contestado as alegações de fome, afirmando que está facilitando a entrada de ajuda humanitária em Gaza e que a quantidade de suprimentos que entra na Faixa é substancial. Autoridades israelenses têm argumentado que a distribuição da ajuda dentro de Gaza é um desafio que recai sobre as agências humanitárias e que o Hamas é responsável por desviar parte da ajuda.
Israel tem divulgado dados sobre o número de caminhões de ajuda que entram em Gaza através dos pontos de passagem de Kerem Shalom e Nitzana (via Al-Awja). Além disso, o país tem apoiado iniciativas para abrir novas rotas de ajuda, incluindo um corredor marítimo e lançamentos aéreos, embora a eficácia e a escala dessas operações sejam questionadas pelas agências humanitárias.
Paralelamente, as Forças de Defesa de Israel (FDI) continuam a realizar operações militares na Cidade de Gaza e em outras partes da Faixa. Estas operações são justificadas por Israel como necessárias para desmantelar as capacidades militares do Hamas e resgatar reféns. A intensidade e a natureza dessas operações têm levado a um aumento das baixas civis e a uma deterioração das condições humanitárias.
A preparação para novas ofensivas na Cidade de Gaza, conforme indicado por fontes militares israelenses, levanta preocupações adicionais sobre o impacto na população civil e na capacidade de entregar ajuda. As operações militares em áreas urbanas densamente povoadas resultam em danos à infraestrutura e deslocamento de civis, exacerbando a já precária situação de segurança alimentar.
Impacto Humanitário Abrangente
A crise de fome é um sintoma de uma catástrofe humanitária mais ampla em Gaza. A escassez de alimentos é acompanhada por uma grave falta de água potável, saneamento adequado e serviços de saúde. A maioria dos hospitais em Gaza está inoperante ou funcionando com capacidade mínima, sem suprimentos essenciais e pessoal suficiente.
A desnutrição aguda, especialmente entre crianças, atingiu níveis alarmantes. Relatórios de agências da ONU indicam que um número crescente de crianças está sofrendo de emaciação severa, uma condição que as torna altamente vulneráveis a doenças e morte. A falta de acesso a alimentos nutritivos e água limpa, combinada com a propagação de doenças infecciosas, cria um ciclo vicioso de deterioração da saúde.
Mulheres grávidas e lactantes também estão entre os grupos mais vulneráveis, com taxas crescentes de anemia e outras complicações de saúde devido à desnutrição. A falta de acesso a cuidados pré-natais e pós-natais agrava ainda mais a situação.
A infraestrutura de saneamento foi amplamente destruída, levando ao acúmulo de lixo e esgoto nas ruas, o que aumenta o risco de surtos de doenças transmitidas pela água, como cólera e diarreia. A falta de combustível para bombas de água e estações de tratamento de esgoto agrava ainda mais a crise de saneamento.
Apelos Internacionais e Resposta Global
A comunidade internacional tem feito apelos urgentes para um cessar-fogo imediato e um aumento significativo e desimpedido do acesso humanitário a Gaza. Organizações como a ONU, a União Europeia e vários governos têm pressionado por medidas que garantam a proteção dos civis e a entrega de ajuda em larga escala.
Esforços para estabelecer corredores de ajuda mais eficazes, incluindo rotas terrestres adicionais e a expansão das operações de entrega aérea e marítima, estão em andamento. No entanto, a escala da necessidade em Gaza exige uma resposta muito maior e mais consistente do que a que tem sido possível até agora.
A necessidade de financiamento para operações humanitárias em Gaza também é crítica. As agências da ONU e as ONGs parceiras dependem de doações internacionais para fornecer assistência vital, mas os recursos são frequentemente insuficientes para atender às crescentes demandas.
A situação na Cidade de Gaza e no norte da Faixa continua a ser monitorizada de perto por organizações internacionais, com relatórios regulares que documentam a deterioração das condições. A confirmação da fome pela IPC serve como um alerta severo sobre a urgência da situação e a necessidade de uma ação imediata e coordenada para evitar uma catástrofe ainda maior.
Fonte: https://www.bbc.com/portuguese/articles/cn92pln37v4o?at_medium=RSS&at_campaign=rss
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