A tecnologia de mísseis hipersônicos representa um avanço significativo no cenário da defesa global, caracterizada por velocidades extremas e capacidade de manobra em voo. Estes sistemas, que viajam a velocidades superiores a Mach 5 (cinco vezes a velocidade do som), desafiam as arquiteturas de defesa aérea e antimísseis existentes, introduzindo novas considerações estratégicas para as potências militares mundiais. A busca por estas capacidades tem sido uma prioridade para diversas nações, com programas de pesquisa, desenvolvimento e testes em andamento.
A velocidade e a manobrabilidade dos mísseis hipersônicos conferem-lhes características distintas. Ao contrário dos mísseis balísticos tradicionais, que seguem uma trajetória previsível após o lançamento, os mísseis hipersônicos podem alterar seu curso durante o voo, tornando sua interceptação consideravelmente mais complexa. Eles podem ser classificados em duas categorias principais: mísseis de cruzeiro hipersônicos, que utilizam motores a jato para manter a velocidade e altitude dentro da atmosfera, e veículos planadores hipersônicos (HGVs), que são lançados por foguetes para grandes altitudes e depois planam em alta velocidade em direção ao alvo.
Avanços da Federação Russa em Sistemas Hipersônicos
A Rússia tem sido um dos países mais ativos no desenvolvimento e na implantação de sistemas de armas hipersônicas. O país tem investido significativamente nesta área, com vários programas que já atingiram fases avançadas de teste e, em alguns casos, de implantação operacional. Estes desenvolvimentos são vistos como um pilar central da estratégia de defesa russa, visando modernizar suas capacidades militares e manter uma paridade estratégica.
Um dos sistemas mais conhecidos é o míssil aerotransportado Kinzhal (Punhal). Este míssil, que se reporta ter entrado em serviço em 2018, é lançado de aeronaves como o interceptor MiG-31K e o bombardeiro Tu-22M3. O Kinzhal é descrito como capaz de atingir velocidades de até Mach 10 e de manobrar em todas as fases do voo, o que dificulta sua detecção e interceptação por sistemas de defesa antimísseis existentes. Seu alcance é estimado em mais de 2.000 quilômetros, permitindo que atinja alvos terrestres e navais a distâncias consideráveis.
Outro sistema hipersônico russo de destaque é o Avangard. Este é um Veículo Planador Hipersônico (HGV) que é lançado por um Míssil Balístico Intercontinental (ICBM), como o RS-28 Sarmat. Após ser lançado a uma altitude elevada, o Avangard se separa do foguete propulsor e plana em alta velocidade dentro da atmosfera terrestre, atingindo velocidades que podem exceder Mach 20. A capacidade de manobrar intensamente durante a fase de planeio, combinada com sua velocidade extrema, torna o Avangard um desafio para os sistemas de defesa antimísseis balísticos. A Rússia declarou o Avangard operacional em 2019, integrando-o às suas forças estratégicas.
O míssil de cruzeiro hipersônico Zircon (Tsirkon) é outro componente chave do arsenal hipersônico russo. Projetado para ser lançado de navios de superfície e submarinos, o Zircon tem como alvo principal embarcações navais e alvos terrestres costeiros. Testes do Zircon têm demonstrado velocidades que podem ultrapassar Mach 9 e um alcance de aproximadamente 1.000 quilômetros. A sua capacidade de ser lançado de plataformas navais existentes e futuras confere à Marinha russa uma capacidade de ataque de precisão de longo alcance e alta velocidade.
Estes programas refletem uma estratégia russa de desenvolver e implantar uma gama diversificada de sistemas hipersônicos, cada um com capacidades e plataformas de lançamento distintas, para atender a diferentes requisitos operacionais e estratégicos.
Desenvolvimentos da República Popular da China em Tecnologia Hipersônica
A China também emergiu como um ator proeminente na corrida tecnológica por mísseis hipersônicos, demonstrando um rápido progresso em pesquisa, desenvolvimento e testes. Os esforços chineses nesta área são parte de uma estratégia mais ampla de modernização militar, visando fortalecer suas capacidades de dissuasão e projeção de poder.
Um dos sistemas hipersônicos chineses mais conhecidos é o DF-17 (Dongfeng-17). Este é um míssil balístico de médio alcance que carrega um Veículo Planador Hipersônico (HGV). O DF-17 foi publicamente revelado em 2019 e é projetado para entregar sua ogiva HGV a velocidades hipersônicas, com a capacidade de realizar manobras evasivas durante a fase de planeio. Sua precisão e velocidade representam um desafio para os sistemas de defesa antimísseis regionais, sendo considerado uma capacidade importante para a China atingir alvos de alto valor.
Além do DF-17, a China tem explorado outras tecnologias hipersônicas, incluindo veículos planadores e mísseis de cruzeiro. O programa Starry Sky-2 (Xingkong-2) é um exemplo de pesquisa em veículos “waverider”, que utilizam suas próprias ondas de choque para gerar sustentação em voo hipersônico. Embora ainda em fase de pesquisa e teste, esses desenvolvimentos indicam a amplitude e a profundidade dos esforços chineses para dominar a tecnologia hipersônica.
Os programas hipersônicos chineses são frequentemente vistos como parte de uma estratégia de “anti-acesso/negação de área” (A2/AD), destinada a dificultar a operação de forças adversárias em regiões próximas às suas fronteiras. A capacidade de atingir alvos com alta velocidade e manobrabilidade, superando as defesas existentes, é um componente chave dessa estratégia.
Esforços dos Estados Unidos no Desenvolvimento Hipersônico
Os Estados Unidos, embora historicamente líderes em muitas áreas da tecnologia militar, reconheceram a necessidade de acelerar seus próprios programas de mísseis hipersônicos para acompanhar os avanços de outras nações. O Departamento de Defesa dos EUA tem investido bilhões de dólares em pesquisa e desenvolvimento, com o objetivo de implantar uma gama de capacidades hipersônicas em suas forças armadas.
Vários ramos das Forças Armadas dos EUA estão envolvidos em programas hipersônicos. A Força Aérea dos EUA tem trabalhado em programas como o AGM-183A Air-launched Rapid Response Weapon (ARRW), um míssil aerotransportado que utiliza um veículo planador hipersônico. O ARRW foi projetado para ser lançado de bombardeiros como o B-52, atingindo velocidades hipersônicas e manobrando em voo para atingir alvos com precisão. Outro esforço da Força Aérea é o Hypersonic Attack Cruise Missile (HACM), um míssil de cruzeiro hipersônico que visa fornecer uma capacidade de ataque de longo alcance.
O Exército dos EUA está desenvolvendo o Long-Range Hypersonic Weapon (LRHW), também conhecido como Dark Eagle. Este sistema é um míssil terrestre que utiliza um Common Hypersonic Glide Body (C-HGB), um veículo planador hipersônico que também está sendo adaptado para uso pela Marinha dos EUA. O LRHW é projetado para fornecer uma capacidade de ataque de precisão de longo alcance contra alvos de alto valor.
A Marinha dos EUA, por sua vez, está integrando o C-HGB em seu Conventional Prompt Strike (CPS) para ser lançado de submarinos da classe Virginia e, futuramente, de destróieres da classe Zumwalt. O objetivo é fornecer uma capacidade de ataque hipersônico de precisão a partir de plataformas navais, complementando as capacidades aéreas e terrestres.
Além desses programas específicos, a Agência de Projetos de Pesquisa Avançada de Defesa (DARPA) dos EUA tem financiado uma série de projetos de pesquisa hipersônica, explorando diferentes conceitos e tecnologias, como o Hypersonic Air-breathing Weapon Concept (HAWC) e o Tactical Boost Glide (TBG). Os Estados Unidos buscam não apenas desenvolver mísseis hipersônicos, mas também sistemas de detecção, rastreamento e defesa contra essas armas, embora a interceptação de mísseis hipersônicos manobráveis permaneça um desafio técnico significativo.
A Posição do Reino Unido em Relação aos Mísseis Hipersônicos
O Reino Unido, um aliado próximo dos Estados Unidos e membro da OTAN, não possui atualmente um programa de mísseis hipersônicos operacionais ou em fase avançada de desenvolvimento independente. A estratégia de defesa do Reino Unido tem se concentrado em outras áreas de modernização militar e na colaboração com aliados para capacidades avançadas.
Historicamente, o Reino Unido tem dependido de parcerias e aquisições de tecnologia de aliados, especialmente dos Estados Unidos, para certas capacidades de defesa de ponta. Embora não haja um programa hipersônico britânico autônomo em andamento, o Reino Unido participa de discussões e colaborações com os EUA e outros parceiros sobre o futuro da tecnologia hipersônica e suas implicações para a segurança coletiva.
A ausência de um programa hipersônico próprio reflete, em parte, as prioridades de investimento em defesa do Reino Unido e a crença de que a colaboração com aliados pode fornecer acesso a essas tecnologias quando necessário. No entanto, a rápida evolução das capacidades hipersônicas em outras nações tem gerado debates sobre a necessidade de o Reino Unido considerar um maior envolvimento nesta área, seja através de programas próprios ou de uma integração mais profunda com os esforços de seus aliados.
Implicações Estratégicas Globais da Tecnologia Hipersônica
O desenvolvimento e a implantação de mísseis hipersônicos por várias potências militares têm implicações significativas para a estabilidade estratégica global e para a natureza da guerra moderna. A capacidade de atingir alvos com alta velocidade e manobrabilidade reduz drasticamente o tempo de reação para as defesas, tornando os sistemas de alerta precoce e de interceptação existentes menos eficazes.
Uma das principais implicações é o desafio que essas armas representam para a dissuasão estratégica. Mísseis hipersônicos podem ser usados para ataques convencionais de precisão de longo alcance, mas sua velocidade e trajetória imprevisível podem dificultar a distinção entre um ataque convencional e um ataque nuclear, potencialmente aumentando o risco de escalada em uma crise. A incerteza sobre a natureza de um ataque pode levar a decisões precipitadas em cenários de alta tensão.
Além disso, a proliferação da tecnologia hipersônica pode levar a uma nova corrida armamentista, à medida que mais países buscam desenvolver ou adquirir essas capacidades para manter sua segurança e projeção de poder. Isso pode desestabilizar o equilíbrio de poder regional e global, exigindo novas abordagens para o controle de armas e a gestão de crises.
A capacidade de mísseis hipersônicos de penetrar defesas aéreas e antimísseis existentes também pode alterar a dinâmica de conflitos, tornando alvos de alto valor, como porta-aviões, bases aéreas e centros de comando, mais vulneráveis. Isso pode levar a uma reavaliação das doutrinas militares e dos investimentos em defesa, com um foco crescente em sistemas de defesa mais avançados e em capacidades de ataque hipersônico.
O Cenário Atual da Tecnologia Hipersônica
O cenário atual da tecnologia hipersônica é caracterizado por um intenso esforço de pesquisa, desenvolvimento e teste por parte de várias nações. Rússia e China demonstraram capacidades operacionais e em fase avançada de implantação, enquanto os Estados Unidos estão acelerando seus próprios programas para alcançar e superar esses avanços. Outros países, como a França, a Alemanha, a Índia, o Japão e a Austrália, também estão explorando a tecnologia hipersônica, seja através de programas nacionais ou de colaborações internacionais.
A busca por mísseis hipersônicos reflete uma tendência mais ampla de modernização militar e a busca por vantagens tecnológicas que possam alterar o equilíbrio estratégico. A capacidade de atingir alvos com velocidade e precisão sem precedentes, enquanto evade as defesas existentes, é um fator motivador chave. No entanto, o desenvolvimento dessas armas também levanta questões complexas sobre a estabilidade internacional, a gestão de crises e a necessidade de novas estruturas de controle de armas para mitigar os riscos associados a esta tecnologia emergente.
A evolução contínua da tecnologia hipersônica e suas implicações para a segurança global permanecem um tópico de monitoramento e análise por parte de governos, instituições de defesa e especialistas em relações internacionais em todo o mundo.
Fonte: https://www.bbc.com/portuguese/articles/cn5e35p9py1o?at_medium=RSS&at_campaign=rss
Para seguir a cobertura, veja também superarmas.