As 'supervacas' que fizeram do Brasil o maior exportador de carne do mundo

A pecuária brasileira experimentou uma transformação profunda com a adoção e o aprimoramento do gado zebu. Esta linhagem bovina, originária da Índia, não apenas redefiniu a produção de carne no Brasil, mas também impulsionou o país à posição de maior exportador global do produto. A adaptabilidade e a resiliência do zebu em climas tropicais foram fatores determinantes para o sucesso, cujos efeitos reverberam em toda a cadeia produtiva mundial.

A Chegada do Zebu ao Brasil

A introdução do gado zebu no Brasil remonta ao final do século XIX e início do século XX. As primeiras importações, embora esporádicas, visavam encontrar uma raça bovina que pudesse prosperar nas condições climáticas desafiadoras do território brasileiro, caracterizadas por altas temperaturas, umidade e a presença de parasitas e doenças tropicais. As raças europeias, predominantes até então, demonstravam baixa adaptabilidade e produtividade nessas condições.

Registros históricos indicam que as primeiras levas de zebu chegaram principalmente pelos portos de Salvador e Rio de Janeiro. Entre as raças importadas, destacaram-se o Nelore, o Gir e o Guzerá. O Nelore, em particular, rapidamente se estabeleceu como a raça de maior impacto devido à sua notável rusticidade e capacidade de adaptação. A chegada desses animais marcou o início de uma nova era para a pecuária nacional, oferecendo uma solução robusta para os desafios ambientais.

A partir das primeiras importações, criadores brasileiros visionários reconheceram o potencial genético do zebu. Iniciou-se um processo de seleção e multiplicação, inicialmente focado na sobrevivência e reprodução em ambientes hostis. Aos poucos, a presença do zebu se expandiu por diversas regiões do país, substituindo gradualmente o gado de origem europeia em muitas propriedades rurais. Este período inicial foi crucial para a formação do rebanho zebuíno que hoje domina a pecuária de corte brasileira.

Características Adaptativas das Raças Zebuínas

O sucesso do gado zebu no Brasil é intrinsecamente ligado às suas características fisiológicas e morfológicas, que conferem uma superior adaptabilidade a ambientes tropicais. A presença de uma giba pronunciada, barbela desenvolvida e pelagem curta e clara são traços distintivos que contribuem para a dissipação de calor, tornando-os mais tolerantes a altas temperaturas do que as raças taurinas.

A pele escura e pigmentada sob a pelagem clara atua como uma barreira natural contra a radiação solar, protegendo os animais de queimaduras e reduzindo o estresse térmico. Além disso, as raças zebuínas possuem uma maior densidade de glândulas sudoríparas, o que lhes permite regular a temperatura corporal de forma mais eficiente através da transpiração. Essa capacidade de termorregulação é vital para manter a produtividade em climas quentes.

Outro fator crucial é a resistência natural do zebu a parasitas e doenças endêmicas das regiões tropicais. Sua pele mais espessa e a capacidade de desenvolver uma resposta imunológica robusta os tornam menos suscetíveis a infestações por carrapatos e a doenças transmitidas por vetores, como a tristeza parasitária bovina. Essa resistência reduz a necessidade de intervenções veterinárias e o uso de medicamentos, impactando positivamente os custos de produção e a saúde do rebanho.

A eficiência na conversão alimentar também é uma característica marcante. O zebu é capaz de converter forragens de menor qualidade, comuns em pastagens tropicais, em carne e leite de forma eficaz. Essa capacidade de aproveitar recursos forrageiros diversos e muitas vezes menos nutritivos contribui para a sustentabilidade da produção em sistemas de pastejo extensivo, predominantes no Brasil. A longevidade e a rusticidade reprodutiva são igualmente importantes, garantindo um ciclo produtivo mais longo e eficiente para as fêmeas.

O Melhoramento Genético Brasileiro

A simples introdução do zebu não seria suficiente para o patamar alcançado pela pecuária brasileira sem um intenso e contínuo trabalho de melhoramento genético. Criadores, pesquisadores e instituições como a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e a Associação Brasileira dos Criadores de Zebu (ABCZ) desempenharam papéis fundamentais nesse processo.

Desde as primeiras décadas do século XX, programas de seleção genética foram implementados com o objetivo de aprimorar as características produtivas do gado zebu. Inicialmente, o foco estava na seleção visual de animais com maior porte e conformação. Com o avanço da ciência, técnicas mais sofisticadas foram incorporadas, como o controle de desempenho, a avaliação de progênies e a utilização de índices genéticos.

A ABCZ, fundada em 1934, tornou-se um pilar central no desenvolvimento das raças zebuínas no Brasil. Através de seus programas de melhoramento, como o PMGZ (Programa de Melhoramento Genético de Zebuínos), a associação coleta dados de milhares de animais anualmente, gerando informações valiosas para a seleção de reprodutores superiores. Esses programas visam identificar animais com maior ganho de peso, melhor conformação de carcaça, precocidade sexual e reprodutiva, e maior resistência a doenças.

A pesquisa científica da Embrapa Gado de Corte e outras instituições contribuiu significativamente para o entendimento da genética zebuína e para o desenvolvimento de tecnologias reprodutivas. A inseminação artificial (IA) e a transferência de embriões (TE) foram amplamente adotadas, permitindo a disseminação rápida e eficiente de material genético de animais de alta qualidade. Mais recentemente, a genômica tem sido aplicada para identificar marcadores genéticos associados a características de interesse econômico, acelerando ainda mais o processo de seleção.

O resultado desse esforço conjunto é um rebanho zebuíno altamente produtivo, adaptado e com características de carcaça que atendem às exigências dos mercados consumidores. O Nelore, por exemplo, representa hoje a vasta maioria do rebanho de corte brasileiro, sendo reconhecido mundialmente por sua capacidade de produzir carne de qualidade em sistemas de produção a pasto.

A Transformação da Pecuária Nacional

A dominância do gado zebu reconfigurou a paisagem da pecuária brasileira. Antes de sua ampla adoção, a produção de carne era menos eficiente e mais restrita a certas regiões. Com o zebu, a pecuária se expandiu para áreas antes consideradas marginais, como o vasto bioma do Cerrado, que se tornou um dos principais polos de produção de gado de corte do país.

A capacidade do zebu de prosperar em pastagens extensivas e sob condições climáticas adversas permitiu um aumento significativo na área de pastagem utilizada para a produção de carne. Isso, combinado com o melhoramento genético, resultou em um aumento expressivo na produtividade por animal e por hectare. A taxa de desfrute (número de animais abatidos em relação ao rebanho total) e o peso médio dos animais ao abate melhoraram consideravelmente ao longo das décadas.

A pecuária zebuína também impulsionou o desenvolvimento de toda uma cadeia produtiva. Indústrias de ração, frigoríficos, empresas de genética, laboratórios veterinários e serviços de consultoria se desenvolveram em torno da necessidade de apoiar e otimizar a criação desses animais. A modernização das técnicas de manejo, nutrição e sanidade animal, muitas delas adaptadas às particularidades do zebu, contribuiu para a profissionalização do setor.

A eficiência produtiva alcançada com o zebu permitiu que o Brasil não apenas atendesse à crescente demanda interna por carne, mas também gerasse um excedente significativo para exportação. A robustez dos animais, aliada à vasta extensão territorial e à disponibilidade de recursos naturais, posicionou o país como um competidor de peso no cenário global da carne bovina.

A Ascensão do Brasil na Exportação de Carne

A consolidação do gado zebu como a base da pecuária de corte brasileira é diretamente proporcional à ascensão do Brasil como um gigante na exportação de carne. No início dos anos 2000, o país começou a se destacar no mercado internacional, e nas últimas décadas, firmou-se como o maior exportador mundial de carne bovina em volume.

Os números de exportação demonstram a magnitude desse sucesso. Milhões de toneladas de carne bovina brasileira são anualmente enviadas para diversos destinos ao redor do globo, incluindo mercados exigentes na Ásia, Europa, Oriente Médio e Américas. A receita gerada por essas exportações representa uma parcela significativa do agronegócio brasileiro e contribui substancialmente para a balança comercial do país.

A carne proveniente de rebanhos zebuínos, predominantemente Nelore, é valorizada por sua qualidade, sabor e consistência. Os frigoríficos brasileiros investiram em tecnologia e processos para garantir a segurança alimentar e a rastreabilidade do produto, atendendo aos rigorosos padrões sanitários internacionais. A capacidade de produzir carne em larga escala, com custos competitivos e qualidade assegurada, é um diferencial que o Brasil construiu com base em seu rebanho zebuíno.

A adaptabilidade do zebu permite que a produção ocorra em diferentes biomas, desde o Pantanal até o Cerrado e a Amazônia Legal, embora com desafios e abordagens de manejo distintas. Essa diversidade geográfica de produção contribui para a resiliência do setor e para a capacidade de manter um fluxo constante de oferta para o mercado global. A reputação do Brasil como fornecedor confiável de carne bovina é um legado direto da excelência alcançada na criação e melhoramento do gado zebu.

Impacto Global da Pecuária Zebuína Brasileira

O impacto da pecuária zebuína brasileira transcende as fronteiras nacionais. O conhecimento e a expertise desenvolvidos no Brasil sobre a criação e o melhoramento genético do zebu são reconhecidos internacionalmente. Países com condições climáticas semelhantes às do Brasil buscam a genética e as tecnologias brasileiras para desenvolver suas próprias indústrias pecuárias.

A exportação de material genético, como sêmen e embriões de raças zebuínas brasileiras, é uma prática comum. Criadores de diversas partes do mundo, especialmente na América Latina, África e algumas regiões da Ásia, importam genética brasileira para melhorar a produtividade e a adaptabilidade de seus rebanhos. O Nelore brasileiro, em particular, é altamente demandado por sua comprovada capacidade de produzir carne de forma eficiente em ambientes tropicais.

Além da genética, o modelo brasileiro de pecuária zebuína serve de referência para o desenvolvimento de sistemas de produção em outros países. A experiência em manejo de pastagens, nutrição animal e controle sanitário, adaptada às características do zebu, é compartilhada através de programas de cooperação e intercâmbio técnico. Isso demonstra o papel do Brasil não apenas como exportador de carne, mas também como um polo de conhecimento e inovação em pecuária tropical.

A influência brasileira contribui para a segurança alimentar global, ao ajudar outros países a aumentar sua própria produção de carne em regiões onde as raças europeias não seriam viáveis. A capacidade do zebu de prosperar em condições desafiadoras o torna uma ferramenta valiosa para o desenvolvimento sustentável da pecuária em diversas partes do mundo, reforçando a posição do Brasil como um líder global no setor.

Em suma, a história do gado zebu no Brasil é uma narrativa de adaptação, inovação e sucesso. Desde sua chegada e aprimoramento contínuo, essas “supervacas” não apenas transformaram a pecuária nacional, mas também pavimentaram o caminho para o Brasil se tornar o maior exportador de carne do mundo, com uma influência que se estende por todo o planeta.

Fonte: https://www.bbc.com/portuguese/articles/c78zxz84272o?at_medium=RSS&at_campaign=rss

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