AI doesn’t belong in journaling

CATEGORIA: Tecnologia
DATA: Não informado

TÍTULO: Debate sobre a integração de Inteligência Artificial em aplicativos de diário pessoal
SLUG: debate-integracao-inteligencia-artificial-aplicativos-diario-pessoal

CONTEÚDO:

A crescente integração de Inteligência Artificial (IA) em ferramentas de registro pessoal tem gerado discussões e levantado questionamentos sobre a natureza e a privacidade da escrita de diários. Um exemplo notável dessa tendência e das reações a ela foi a decisão de um diarista de longa data de remover o aplicativo de diário Day One de seus dispositivos em julho de 2023. Essa ação, descrita pelo próprio indivíduo como uma das mais significativas em sua jornada de escrita, foi motivada por anúncios recentes da indústria tecnológica.

O ponto central dessa discussão emergiu com o anúncio do aplicativo Journal da Apple, revelado durante a Worldwide Developers Conference (WWDC) daquele ano. A gigante da tecnologia apresentou sua nova ferramenta de diário, destacando a utilização de “aprendizado de máquina no dispositivo” (on-device machine learning) como um de seus pilares. Essa funcionalidade tem como objetivo principal oferecer sugestões e prompts personalizados aos usuários, baseando-se em uma vasta gama de dados armazenados em seus iPhones.

Entre os tipos de informações que seriam analisadas pelo sistema de IA para gerar essas sugestões estão contatos, fotografias, músicas ouvidas, registros de atividades físicas (workouts), podcasts consumidos e dados de localização. A proposta da Apple era que o aplicativo Journal funcionasse como uma extensão inteligente da experiência do usuário, facilitando o processo de reflexão e registro diário ao apresentar temas e momentos relevantes de sua vida digital.

A descrição do aplicativo Journal pela Apple o posicionou como uma espécie de “releitura” ou “variação” do recurso “Memórias” (Memories) já existente no aplicativo Fotos da empresa. O recurso “Memórias” é conhecido por agrupar automaticamente fotos e vídeos em coleções temáticas, muitas vezes com trilhas sonoras e edições automáticas, com o intuito de reviver momentos passados. Essa comparação, no entanto, gerou uma reação de desconforto em alguns usuários, incluindo o diarista mencionado anteriormente.

A percepção de que o aplicativo Journal poderia operar de maneira similar ao “Memórias” do Fotos despertou preocupações específicas. O diarista relatou ter tido uma experiência anterior com o recurso “Memórias” que ilustra o potencial de sensibilidade e as complexidades emocionais envolvidas na curadoria automatizada de lembranças. Em uma ocasião, o sistema de IA do aplicativo Fotos havia “inteligentemente” resgatado e apresentado uma fotografia do caixão aberto de sua mãe. Esse incidente prévio contribuiu para uma sensação de aversão e desconforto em relação à ideia de uma IA com acesso profundo a dados pessoais para gerar prompts de diário.

A experiência com a foto do caixão, embora tecnicamente uma função de organização de imagens, sublinhou a preocupação de que a IA, apesar de sua capacidade de processar dados, pode carecer da sensibilidade contextual humana necessária para lidar com informações de natureza profundamente pessoal e emocional. A ideia de que um algoritmo pudesse sugerir temas para reflexão baseados em eventos potencialmente traumáticos ou dolorosos, sem a devida compreensão do contexto emocional, foi um fator determinante para a reação negativa.

A decisão de desinstalar o aplicativo Day One, um dos mais populares no segmento de diários digitais, reflete uma postura crítica em relação à intrusão da IA em espaços considerados íntimos e pessoais. Para o diarista, a página em branco de um diário, com sua inerente “inconveniência” e a necessidade de esforço consciente para preenchê-la, é parte essencial do processo de auto-reflexão. A intervenção de algoritmos, mesmo que bem-intencionada, poderia comprometer a autenticidade e a profundidade dessa prática.

Além da Apple, outras empresas de tecnologia também exploram a integração de IA em ferramentas de registro pessoal. Um exemplo é o aplicativo Pixel Journal, associado ao ecossistema Google, que, conforme ilustrado em representações visuais, apresenta um calendário com emojis que simbolizam os estados de humor das entradas dos usuários. Essa funcionalidade sugere uma abordagem da IA para categorizar e sumarizar o conteúdo emocional dos diários, oferecendo uma visão geral do bem-estar do usuário ao longo do tempo.

A presença de tais recursos em plataformas como o Pixel Journal indica uma tendência mais ampla na indústria de tecnologia de aplicar algoritmos para analisar e interagir com o conteúdo gerado pelos usuários em diários digitais. A promessa é de tornar o processo de escrita mais acessível e perspicaz, mas as preocupações com a privacidade dos dados, a segurança das informações e a adequação emocional das sugestões geradas por IA continuam a ser pontos de debate.

A discussão em torno da IA em aplicativos de diário não se limita apenas à funcionalidade técnica, mas se estende a questões filosóficas sobre a natureza da introspecção e da memória. A capacidade de um sistema automatizado de “lembrar” e “sugerir” pode ser vista como uma ferramenta útil para alguns, mas como uma intrusão indesejada para outros, especialmente aqueles que valorizam a autonomia e a privacidade de seus pensamentos mais íntimos.

O cenário atual aponta para um período de adaptação e reavaliação de como a tecnologia pode, ou não, se integrar a práticas tão pessoais quanto a escrita de um diário. Enquanto as empresas buscam inovar e oferecer novas funcionalidades, os usuários continuam a ponderar sobre os limites da conveniência tecnológica versus a preservação da essência humana na auto-expressão e na reflexão.

A experiência do diarista com o aplicativo Day One e a reação ao anúncio do Journal da Apple servem como um microcosmo das tensões e considerações que surgem à medida que a inteligência artificial se torna cada vez mais presente em aspectos da vida cotidiana que antes eram considerados exclusivamente humanos e privados.

Com informações de The Verge

Fonte: https://www.theverge.com/analysis/764519/ai-gemini-pixel-journal-app

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