For some people, music doesn’t connect with any of the brain’s reward circuits

A percepção de que a música é uma fonte universal de prazer é amplamente difundida. No entanto, a realidade neurológica revela uma complexidade maior. Há uma década, durante uma conferência, o neurocientista Josep Marco Pallarés, da Universidade de Barcelona, fez uma observação casual sobre o amor universal pela música. Essa afirmação, contudo, foi rapidamente posta em questão por ele mesmo, ao considerar casos clínicos em psiquiatria onde pacientes relatavam não derivar absolutamente nenhum prazer de qualquer tipo de melodia.

Essa constatação inicial impulsionou Pallarés e sua equipe a dedicar os dez anos seguintes à investigação dos mecanismos neurais subjacentes a uma condição que eles denominaram anedonia musical específica: a incapacidade de desfrutar da música.

Compreendendo a Anedonia Musical Específica

A anedonia musical específica é uma condição neurológica caracterizada pela ausência de prazer ou recompensa ao ouvir música, apesar de outras fontes de prazer, como comida, sexo ou dinheiro, permanecerem intactas. É crucial distinguir essa condição da anedonia geral, onde a capacidade de sentir prazer é diminuída em todas as esferas da vida, ou de problemas auditivos que impedem a percepção sonora. Indivíduos com anedonia musical específica ouvem e processam a música normalmente em termos de tom, ritmo e melodia, mas não experimentam a resposta emocional e hedônica que a maioria das pessoas associa à escuta musical.

Essa especificidade sugere que os circuitos cerebrais responsáveis pelo processamento auditivo da música e aqueles envolvidos na atribuição de valor hedônico podem operar de forma independente em certos indivíduos. A pesquisa busca entender onde e por que essa desconexão ocorre, lançando luz sobre a intrincada arquitetura do prazer no cérebro humano.

Os Circuitos Neurais do Prazer

Quando uma experiência é percebida como agradável, ela geralmente envolve uma interação complexa entre circuitos cerebrais responsáveis pela percepção do estímulo – seja ele sabor, toque ou som – e os circuitos de recompensa. Estes últimos são responsáveis pela liberação de neurotransmissores, como a dopamina, em resposta a experiências prazerosas. Por muito tempo, a ausência de prazer em atividades que a maioria das pessoas considera agradáveis foi atribuída a disfunções em um ou mais desses circuitos.

O sistema de recompensa do cérebro é uma rede complexa de estruturas que trabalham em conjunto para mediar o prazer, a motivação e o aprendizado. Componentes chave incluem o estriado ventral, que abrange o núcleo accumbens, o córtex pré-frontal medial, a amígdala e o hipocampo. A dopamina, um neurotransmissor fundamental, desempenha um papel central nesse sistema, sendo liberada em antecipação e durante experiências gratificantes, reforçando comportamentos que levam ao prazer.

O núcleo accumbens, em particular, é uma área crítica para a experiência do prazer e da recompensa. Ele recebe informações de várias outras regiões cerebrais, incluindo o córtex pré-frontal (envolvido no planejamento e tomada de decisões) e a amígdala (envolvida no processamento emocional). A ativação dessas regiões em conjunto é o que tipicamente gera a sensação de satisfação e bem-estar associada a experiências prazerosas.

Música e a Ativação da Recompensa Cerebral

Para a maioria das pessoas, a música é uma fonte poderosa de emoção e prazer. Estudos de neuroimagem têm demonstrado consistentemente que ouvir música que se considera agradável ativa intensamente os circuitos de recompensa do cérebro. O córtex auditivo primário processa as características básicas do som, mas é a interação com o sistema límbico e o estriado ventral que transforma sequências de notas em experiências emocionais profundas.

A liberação de dopamina no estriado ventral, especialmente no núcleo accumbens, é um marcador neural do prazer musical. Essa liberação pode ocorrer tanto na antecipação de um momento musical clímax (como um “arrepio” ou “calafrio”) quanto durante a própria experiência. Além disso, a música pode modular a atividade em regiões como a amígdala, influenciando o processamento de emoções como alegria, tristeza ou excitação, e o hipocampo, que está envolvido na formação de memórias associadas a experiências musicais.

A capacidade da música de evocar respostas emocionais e fisiológicas, como alterações na frequência cardíaca, respiração e condutância da pele, é um testemunho de sua profunda conexão com os sistemas de recompensa e emoção do cérebro. Essa conexão é o que permite que a música seja usada em contextos terapêuticos, sociais e culturais, servindo como um poderoso meio de comunicação e expressão.

A Desconexão na Anedonia Musical Específica: Descobertas da Pesquisa

A pesquisa de Josep Marco Pallarés e sua equipe, juntamente com outros estudos na área, tem se concentrado em identificar as bases neurais da anedonia musical específica. Utilizando técnicas como a ressonância magnética funcional (fMRI), os cientistas observaram padrões de atividade cerebral em indivíduos com e sem a condição enquanto ouviam música e realizavam outras tarefas que envolviam recompensa.

Os resultados indicaram que, em pessoas com anedonia musical específica, o córtex auditivo, responsável pelo processamento inicial do som, funciona normalmente. Isso significa que eles conseguem ouvir e identificar a música sem problemas. No entanto, a diferença crucial reside na ativação dos circuitos de recompensa. Enquanto indivíduos que desfrutam de música mostram uma ativação robusta no estriado ventral e no núcleo accumbens ao ouvir suas canções favoritas, aqueles com anedonia musical específica não exibem essa mesma resposta.

Em vez disso, a atividade nessas regiões cerebrais permanece inalterada ou significativamente reduzida em resposta a estímulos musicais, mesmo quando os mesmos indivíduos demonstram ativação normal nesses circuitos ao receber outras formas de recompensa, como dinheiro ou comida. Essa descoberta é fundamental, pois sugere que a anedonia musical não é um problema generalizado com o sistema de recompensa, mas sim uma falha específica na conexão entre o processamento auditivo musical e as vias de prazer do cérebro.

Estudos comportamentais complementam essas descobertas neurais. Em experimentos onde os participantes podiam escolher entre ouvir música ou receber uma recompensa monetária, indivíduos com anedonia musical específica consistentemente optavam pela recompensa monetária, mesmo quando a música oferecida era popular e geralmente bem recebida. Em contraste, o grupo controle frequentemente escolhia a música, especialmente se fosse de seu agrado.

Distinções e Implicações Mais Amplas

A especificidade da anedonia musical é um ponto chave. Ela se distingue de outras formas de anedonia, como a anedonia social ou a anedonia física, onde o prazer é diminuído em interações sociais ou sensações corporais, respectivamente. A capacidade de experimentar prazer em outras áreas da vida, como a alimentação, o exercício ou as relações interpessoais, em indivíduos com anedonia musical específica, reforça a ideia de que o sistema de recompensa não é uma entidade monolítica, mas sim um conjunto de vias que podem ser seletivamente ativadas ou desativadas dependendo do estímulo.

Essa pesquisa tem implicações significativas para a compreensão da neurobiologia do prazer e da emoção. Ela sugere que a experiência hedônica não é apenas uma questão de “ter” ou “não ter” um sistema de recompensa funcional, mas sim de como diferentes tipos de estímulos se conectam a esse sistema. A anedonia musical específica oferece um modelo valioso para investigar a modularidade dos circuitos de recompensa e a complexidade da interação entre percepção e emoção.

Além disso, a compreensão dos mecanismos subjacentes à anedonia musical específica pode ter relevância para o estudo de outras condições neurológicas e psiquiátricas que envolvem disfunções no sistema de recompensa, como a depressão, o transtorno obsessivo-compulsivo e os transtornos de uso de substâncias. Ao isolar uma forma específica de anedonia, os pesquisadores podem obter insights mais precisos sobre as vias neurais que são afetadas e, potencialmente, desenvolver abordagens terapêuticas mais direcionadas no futuro.

Perspectivas Futuras na Neurociência da Música

A investigação da anedonia musical específica é um campo em evolução. Futuras pesquisas podem explorar fatores genéticos que possam predispor indivíduos a essa condição, bem como a influência de experiências de vida e desenvolvimento cerebral. Aprofundar o conhecimento sobre as conexões sinápticas e a neuroquímica envolvida na desconexão entre a música e o prazer pode revelar alvos potenciais para intervenções.

A utilização de técnicas mais avançadas de neuroimagem, como a conectividade funcional e a espectroscopia por ressonância magnética, pode oferecer uma visão ainda mais detalhada das redes cerebrais envolvidas. Compreender a anedonia musical específica não é apenas sobre a ausência de prazer, mas também sobre a complexidade da experiência humana e a diversidade de como nossos cérebros interagem com o mundo ao nosso redor, incluindo a arte e a cultura.

A pesquisa contínua nessa área contribui para uma compreensão mais rica de como o cérebro processa e atribui significado a estímulos sensoriais, e como essa atribuição pode variar significativamente entre os indivíduos. A anedonia musical específica serve como um lembrete de que, mesmo em experiências que parecem universais, a base neural subjacente pode apresentar variações notáveis, moldando a forma como cada pessoa vivencia o mundo.

Fonte: https://arstechnica.com/science/2025/08/for-some-people-music-doesnt-connect-with-any-of-the-brains-reward-circuits/

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