Prejuízos no Estado mais atingido pelo tarifaço de Trump ameaçam rede de 32 mil pescadores artesanais: 'Estão assustados'

A indústria pesqueira do Ceará, um pilar econômico para dezenas de milhares de famílias, enfrenta um período de incerteza e perdas significativas. O setor, que anualmente exporta aproximadamente US$ 100 milhões em pescados, com cerca de metade desse volume destinada aos Estados Unidos, é sustentado por uma vasta rede de pescadores artesanais. Estes trabalhadores, em sua maioria, dependem exclusivamente da pesca para seu sustento, com rendimentos frequentemente abaixo do salário mínimo nacional.

A imposição de tarifas adicionais sobre produtos importados pelos Estados Unidos, conhecida como “tarifaço”, gerou um impacto direto e profundo na cadeia de valor do pescado cearense. Este cenário de sobretaxas comerciais resultou em uma diminuição da competitividade dos produtos brasileiros no mercado norte-americano, principal destino das exportações do estado.

A Estrutura da Pesca Artesanal Cearense

Diferentemente de outras regiões com grandes frotas industriais, a produção pesqueira do Ceará é caracterizada pela predominância da pesca artesanal. Estima-se que cerca de 32 mil pescadores artesanais estejam diretamente envolvidos na atividade, operando com embarcações de pequeno porte e técnicas tradicionais. Essa modalidade de pesca é intrinsecamente ligada às comunidades costeiras, onde o conhecimento é transmitido entre gerações e a atividade molda a vida social e econômica local.

A dependência de pequenos barcos e métodos manuais significa que a capacidade de produção é limitada e a resiliência a choques externos é menor. A cadeia de valor inclui a captura, o beneficiamento primário, a comercialização local e, para uma parcela significativa, a exportação. Espécies como lagosta, atum, pargo e outros peixes de alto valor agregado são tradicionalmente capturadas e preparadas para o mercado externo, com a lagosta sendo um dos produtos mais emblemáticos das exportações cearenses.

A renda gerada pela pesca artesanal é, para muitos, a única fonte de recursos. A vulnerabilidade econômica desses trabalhadores é acentuada pela natureza sazonal da pesca e pelas flutuações de preços no mercado. A ausência de grandes embarcações ou de uma estrutura industrial robusta para o abastecimento interno ou diversificação de mercados torna o setor particularmente suscetível a mudanças abruptas nas políticas comerciais internacionais.

O Impacto das Novas Tarifas

As tarifas impostas pelos Estados Unidos sobre determinados produtos, incluindo pescados, elevaram o custo de importação para os compradores americanos. Essa elevação de custo se traduz em preços menos competitivos para o pescado cearense em comparação com produtos de outros países não afetados pelas mesmas tarifas ou com a produção doméstica americana.

A consequência imediata foi uma retração na demanda por pescados do Ceará no mercado dos EUA. Importadores americanos passaram a buscar alternativas mais baratas, reduzindo seus pedidos ou negociando preços mais baixos com os exportadores brasileiros. Essa pressão sobre os preços de exportação se reflete diretamente na remuneração paga aos pescadores artesanais.

Com a diminuição das vendas para o principal mercado externo, o volume de pescado que antes era destinado à exportação precisa encontrar novos compradores. A capacidade do mercado interno de absorver esse excedente é limitada, levando a uma superoferta local. Essa superoferta, por sua vez, provoca uma queda nos preços pagos pelo quilo do pescado nos portos e comunidades pesqueiras do Ceará.

Prejuízos Diretos na Renda dos Pescadores

A redução dos preços de venda do pescado impacta diretamente a renda dos pescadores artesanais. Para muitos, a margem de lucro já era estreita, cobrindo apenas os custos operacionais básicos, como combustível, gelo e manutenção dos equipamentos. Com a queda nos preços, a receita obtida muitas vezes não é suficiente para cobrir essas despesas, resultando em prejuízo líquido.

A diminuição da renda afeta a capacidade dos pescadores de investir em suas atividades, como a compra de redes novas ou a manutenção de seus barcos. Isso pode levar a um ciclo vicioso de menor produtividade e, consequentemente, menor capacidade de geração de renda. A subsistência diária das famílias é comprometida, afetando a alimentação, a saúde e a educação dos dependentes.

A rotina diária dos pescadores foi alterada. Muitos relatam a necessidade de estender o tempo de pesca no mar para tentar compensar a queda nos preços, ou de realizar menos viagens devido à incerteza de venda e à inviabilidade econômica. A dificuldade em escoar a produção também leva ao descarte de parte do pescado ou à venda a preços irrisórios, agravando as perdas.

Em alguns casos, a inviabilidade econômica da pesca levou à redução da frequência das saídas para o mar ou, em situações mais extremas, ao abandono temporário ou permanente da atividade. A busca por outras fontes de renda em um mercado de trabalho local já limitado se torna uma necessidade urgente para muitos, que muitas vezes não possuem outras qualificações ou oportunidades em suas comunidades.

A Reação nas Comunidades Pesqueiras

O cenário de perdas e incertezas gerou um sentimento de apreensão generalizada entre os pescadores artesanais do Ceará. A expressão “estão assustados” reflete a preocupação com o futuro e a dificuldade de prever a recuperação do mercado. A dependência quase total da pesca para a sobrevivência torna qualquer ameaça à atividade uma questão de segurança alimentar e social.

As comunidades pesqueiras, que são tecidas em torno da atividade da pesca, sentem o impacto em diversos níveis. O comércio local, que depende do poder de compra dos pescadores, também é afetado. A diminuição da circulação de dinheiro nas vilas e cidades costeiras gera um efeito cascata, atingindo pequenos comerciantes, prestadores de serviços e outros setores da economia local.

A incerteza sobre a continuidade das exportações para os EUA e a falta de alternativas de mercado viáveis contribuem para um clima de desânimo. A resiliência dessas comunidades é testada diante de um desafio que foge ao seu controle direto, uma vez que as tarifas são decisões de política comercial de outros países. A falta de previsibilidade sobre a duração e a intensidade dessas tarifas agrava a sensação de vulnerabilidade.

Desafios e Perspectivas

A situação atual expõe a vulnerabilidade de um modelo de exportação concentrado em um único mercado e a fragilidade de uma base produtiva composta por trabalhadores de baixa renda. A busca por novos mercados consumidores para o pescado cearense torna-se uma prioridade para os exportadores e para as associações do setor. No entanto, a diversificação de mercados é um processo complexo e demorado, que exige adaptação a novas regulamentações, padrões de qualidade e logística.

A capacidade de adaptação da indústria pesqueira do Ceará, especialmente a artesanal, é crucial para mitigar os efeitos das tarifas. Isso pode envolver a busca por nichos de mercado, a valorização de produtos com certificações específicas ou a exploração de novas rotas comerciais. Contudo, essas iniciativas demandam recursos e apoio que nem sempre estão disponíveis para os pescadores individuais, que operam com recursos limitados e sem acesso direto a informações de mercado global.

A questão das tarifas comerciais internacionais é um fator externo que impacta diretamente a vida de milhares de famílias no Ceará. A dependência de um mercado específico e a estrutura da pesca artesanal tornam o setor particularmente sensível a essas flutuações. A situação atual destaca a necessidade de estratégias que fortaleçam a resiliência econômica das comunidades pesqueiras e diversifiquem as oportunidades para os pescadores artesanais.

A continuidade das perdas ameaça não apenas a subsistência dos 32 mil pescadores, mas também a preservação de um modo de vida tradicional e a estabilidade econômica de diversas regiões costeiras do Ceará. A recuperação do setor dependerá de uma combinação de fatores, incluindo a evolução das políticas comerciais internacionais e a capacidade de adaptação e inovação da indústria local. A situação atual ressalta a interconexão entre as decisões de política global e o impacto direto na vida de comunidades locais.

Fonte: https://www.bbc.com/portuguese/articles/c75440kgwgro?at_medium=RSS&at_campaign=rss

Para seguir a cobertura, veja também pescadores.

Deixe um comentário