Alegações sobre o encerramento de conflitos militares internacionais frequentemente surgem no debate público. A complexidade das guerras modernas, que envolvem múltiplos atores, objetivos variados e dinâmicas regionais intrincadas, torna a avaliação de tais afirmações um exercício que exige um olhar detalhado sobre os fatos. A presença militar dos Estados Unidos em diversas regiões do mundo tem sido um ponto central de discussão, com mudanças na estratégia e no nível de engajamento ao longo dos anos. Este texto examina o status de vários conflitos onde os Estados Unidos tiveram envolvimento significativo, focando nas ações e nos desdobramentos observados durante um período recente de governo, sem atribuir juízos de valor ou especulações sobre os resultados.
Afeganistão
O conflito no Afeganistão representou a mais longa intervenção militar dos Estados Unidos. Iniciada em 2001, a missão evoluiu de uma operação antiterrorista para um esforço de contrainsurgência e construção de nação, com picos de dezenas de milhares de tropas americanas. A presença militar visava apoiar o governo afegão e combater grupos extremistas como a Al-Qaeda e o Talibã.
Durante a administração em questão, a estratégia para o Afeganistão passou por revisões significativas. Inicialmente, houve um aumento temporário no número de tropas, seguido por um foco crescente na retirada. O objetivo declarado era reduzir a presença militar dos EUA e transferir a responsabilidade pela segurança para as forças afegãs, buscando uma solução política para o conflito.
Negociações de paz com o Talibã foram intensificadas, culminando em um acordo assinado em fevereiro de 2020 em Doha, Catar. Este acordo estabeleceu um cronograma para a retirada completa das tropas americanas e da coalizão, em troca de garantias de segurança por parte do Talibã, incluindo a prevenção de que o Afeganistão fosse usado como base para ataques terroristas contra os Estados Unidos ou seus aliados. O acordo também previa o início de negociações intra-afegãs.
Apesar do acordo e da redução progressiva das tropas, a violência no Afeganistão persistiu. Ataques do Talibã contra as forças de segurança afegãs e civis continuaram, e as negociações intra-afegãs entre o governo de Cabul e o Talibã progrediram lentamente, enfrentando inúmeros desafios. Ao final do mandato da administração, a retirada de tropas estava em andamento, mas o conflito interno afegão permanecia ativo, com a segurança do país ainda dependente de apoio externo e a ameaça de grupos insurgentes persistente.
Iraque
No Iraque, a presença militar dos Estados Unidos, que se estendeu por anos após a invasão de 2003, havia sido reduzida significativamente antes do período em análise. No entanto, o surgimento do Estado Islâmico (ISIS) em 2014 levou a um novo engajamento militar dos EUA, com o objetivo de apoiar as forças iraquianas na luta contra o grupo terrorista. Milhares de tropas americanas permaneceram no país em funções de treinamento, aconselhamento e assistência.
A administração em questão manteve o foco na campanha contra o ISIS, declarando a derrota territorial do grupo em 2019. Após essa declaração, houve discussões sobre a redução do número de tropas e a transição da missão para um papel mais focado em treinamento e apoio. O número de militares americanos no Iraque foi progressivamente diminuído, com o objetivo de consolidar a capacidade das forças de segurança iraquianas.
Apesar das reduções de tropas, a presença militar dos EUA no Iraque não foi completamente encerrada. As forças americanas continuaram a operar em um papel de apoio, auxiliando na prevenção do ressurgimento do ISIS e na estabilização da região. Tensões com milícias apoiadas pelo Irã no Iraque também representaram um desafio contínuo, resultando em ataques e contra-ataques que mantiveram a situação de segurança volátil. Ao final do período, a missão dos EUA no Iraque havia evoluído, mas a presença militar e os desafios de segurança persistiam.
Síria
A intervenção dos Estados Unidos na Síria começou em 2014, focada principalmente na campanha contra o ISIS e no apoio a grupos locais que combatiam o terrorismo. A presença militar americana, embora menor em comparação com o Iraque ou Afeganistão, era estratégica para a contenção do ISIS e para a influência regional.
Durante a administração em questão, a política em relação à Síria foi marcada por decisões de alto perfil. Em 2018, foi declarada a derrota territorial do ISIS, e um anúncio de retirada completa das tropas americanas foi feito. Essa decisão gerou preocupações entre aliados e parceiros locais, levando a uma revisão parcial. Uma pequena força permaneceu no nordeste da Síria para proteger campos de petróleo e continuar operações antiterroristas contra remanescentes do ISIS.
A retirada parcial e a realocação de tropas tiveram implicações para as Forças Democráticas Sírias (SDF), um grupo curdo-árabe apoiado pelos EUA, que se tornou vulnerável a ataques da Turquia. A situação na Síria permaneceu complexa, com múltiplas potências estrangeiras e grupos armados operando no país. Ao final do mandato, a presença militar dos EUA era reduzida, mas a Síria continuava a ser um palco de conflitos e instabilidade, com o ISIS ainda representando uma ameaça latente e a guerra civil em curso.
Iêmen
O conflito no Iêmen, que se intensificou a partir de 2014 com a intervenção de uma coalizão liderada pela Arábia Saudita, resultou em uma das maiores crises humanitárias do mundo. Os Estados Unidos forneceram apoio logístico e de inteligência à coalizão saudita, além de realizar operações antiterroristas contra a Al-Qaeda na Península Arábica (AQAP).
Durante a administração em questão, o apoio dos EUA à coalizão saudita no Iêmen foi mantido, embora tenha enfrentado crescente escrutínio e oposição no Congresso americano devido às preocupações com as baixas civis e a crise humanitária. Houve apelos para que os EUA cessassem seu envolvimento no conflito. A administração defendeu o apoio como essencial para combater a influência iraniana na região e para a segurança dos parceiros regionais.
Apesar das pressões, o apoio militar dos EUA à coalizão não foi completamente interrompido. As operações antiterroristas contra a AQAP também continuaram. Ao final do período, o conflito no Iêmen permanecia ativo, com combates em curso entre as forças do governo, os rebeldes Houthi e outros grupos. A crise humanitária persistia, e o papel dos EUA no conflito continuava a ser um ponto de debate, sem um encerramento formal da participação ou do conflito em si.
Somália
Na Somália, a presença militar dos Estados Unidos tem sido focada em operações antiterroristas contra o grupo al-Shabaab, afiliado à Al-Qaeda. As forças americanas realizavam ataques aéreos e treinavam as forças de segurança somalis para combater a insurgência e estabilizar o país.
Durante a administração em questão, as operações militares dos EUA na Somália foram intensificadas em alguns períodos, com um aumento no número de ataques aéreos contra al-Shabaab. O objetivo era degradar a capacidade do grupo terrorista e apoiar o governo federal somali. No entanto, nos meses finais do mandato, foi anunciada uma decisão de retirar a maioria das tropas americanas da Somália, realocando-as para outros países da região, mantendo a capacidade de realizar operações transfronteiriças.
A realocação de tropas foi justificada como uma medida para tornar as operações mais flexíveis e eficientes. Apesar da retirada da maioria das forças em solo, a ameaça de al-Shabaab permaneceu significativa. O grupo continuou a realizar ataques no país, e a estabilidade da Somália continuou a ser um desafio. Ao final do período, a natureza do engajamento militar dos EUA na Somália havia mudado, mas a luta contra o terrorismo e a instabilidade interna do país não haviam sido encerradas.
Líbia
Após a intervenção da OTAN em 2011, a Líbia mergulhou em um período de instabilidade e guerra civil, com múltiplos grupos armados e governos rivais disputando o controle. A presença militar dos Estados Unidos na Líbia tem sido limitada, focada principalmente em operações antiterroristas esporádicas contra grupos como o ISIS e a Al-Qaeda, e em apoio a esforços diplomáticos para estabilizar o país.
Durante a administração em questão, o engajamento militar dos EUA na Líbia permaneceu em um nível baixo, com foco em ataques aéreos pontuais contra alvos terroristas. Não houve uma grande intervenção militar ou um aumento significativo de tropas. A política dos EUA priorizou o apoio a um processo político liderado pela ONU para unificar o país e combater a influência de atores externos que apoiavam diferentes facções.
Apesar dos esforços diplomáticos e das operações antiterroristas limitadas, a Líbia continuou a ser um país dividido e instável, com a guerra civil em curso e a presença de mercenários e forças estrangeiras. Ao final do período, o conflito líbio não havia sido resolvido, e a situação de segurança permanecia precária, sem que a intervenção dos EUA tivesse sido encerrada, mas sim mantida em um perfil discreto.
Níger e a Região do Sahel
A região do Sahel, que inclui o Níger, tem enfrentado uma crescente ameaça de grupos terroristas, incluindo filiais da Al-Qaeda e do ISIS. Os Estados Unidos mantêm uma presença militar na região, principalmente para apoiar e treinar as forças locais na luta contra o terrorismo, além de realizar operações de inteligência e vigilância. A base aérea dos EUA em Agadez, Níger, é um ponto estratégico para essas operações.
Durante a administração em questão, o engajamento dos EUA no Níger e no Sahel foi mantido, com o foco na capacitação das forças parceiras e na condução de missões antiterroristas. Um incidente em 2017, no qual quatro soldados americanos foram mortos em uma emboscada no Níger, gerou um debate sobre a natureza e o escopo da missão dos EUA na região. Apesar disso, a presença e as operações continuaram, com o objetivo de conter a expansão do terrorismo no oeste da África.
Ao final do mandato, a ameaça terrorista no Sahel persistia e, em alguns casos, se intensificava, com grupos extremistas expandindo sua influência e realizando ataques. A missão dos EUA na região não foi encerrada, mas sim adaptada para enfrentar os desafios em evolução, mantendo o apoio às nações parceiras na luta contra o terrorismo. A instabilidade e os conflitos internos em vários países do Sahel continuaram a ser uma preocupação, indicando que a “guerra” contra o terrorismo na região estava longe de ser concluída.
A avaliação de alegações sobre o encerramento de conflitos militares exige uma análise cuidadosa das ações e dos desdobramentos em cada cenário. Em vários dos conflitos examinados, a administração em questão implementou mudanças significativas na estratégia e na presença militar dos Estados Unidos, incluindo reduções de tropas e esforços diplomáticos. No entanto, a realidade no terreno demonstra que a complexidade desses conflitos, a persistência de ameaças e a dinâmica de múltiplos atores frequentemente resultam em situações que permanecem ativas, mesmo com a diminuição do engajamento direto de uma das partes. O conceito de “fim de guerra” em contextos de insurgência, terrorismo e conflitos regionais multifacetados é, por natureza, complexo e raramente se traduz em um encerramento abrupto e definitivo das hostilidades ou da instabilidade.
Fonte: https://www.bbc.com/portuguese/articles/cpqvw82ex1zo?at_medium=RSS&at_campaign=rss
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