Will Trump help 4Chan escape the UK’s internet police?

O Reino Unido iniciou a aplicação da sua abrangente Lei de Segurança Online (Online Safety Act – OSA) em abril, marcando um ponto de viragem na regulação do conteúdo digital. Em resposta a esta legislação, o regulador britânico Ofcom emitiu notificações de violação a três plataformas online: 4chan, Gab e Kiwi Farms. Estas plataformas enfrentam a possibilidade de multas multimilionárias, conforme estipulado pela nova lei.

A ação do Ofcom desencadeou uma resposta legal por parte das plataformas visadas. Preston Byrne, um advogado especializado na Primeira Emenda da Constituição dos EUA, que representa os três sites, anunciou a intenção de processar o Ofcom num tribunal federal dos Estados Unidos. Além da ação legal, Byrne fez um pedido incomum, solicitando que uma futura administração Trump “invoque todas as alavancas diplomáticas e legais disponíveis aos Estados Unidos” para proteger os seus clientes do alcance da OSA.

A Lei de Segurança Online do Reino Unido e o Papel do Ofcom

A Lei de Segurança Online do Reino Unido, aprovada em 2023 e com aplicação iniciada em abril, representa um dos quadros regulatórios mais ambiciosos do mundo para a internet. O seu objetivo principal é tornar o Reino Unido o “lugar mais seguro do mundo para estar online”. A legislação impõe deveres de cuidado significativos às empresas de tecnologia, exigindo que removam conteúdo ilegal e protejam os utilizadores, especialmente crianças, de conteúdo prejudicial.

O Ofcom, o regulador de comunicações do Reino Unido, foi designado como o órgão responsável pela fiscalização da OSA. As suas responsabilidades incluem a elaboração de códigos de prática, a investigação de violações e a aplicação de sanções. A lei confere ao Ofcom poderes consideráveis, incluindo a capacidade de impor multas que podem atingir até 10% do volume de negócios global anual de uma empresa ou 18 milhões de libras esterlinas, o que for maior, em casos de incumprimento grave.

A OSA abrange uma vasta gama de conteúdos, desde material de abuso sexual infantil e terrorismo até discurso de ódio e assédio. As plataformas são obrigadas a implementar sistemas robustos para identificar, remover e prevenir a disseminação de conteúdo ilegal. Além disso, a lei exige que as empresas protejam os utilizadores de conteúdo que, embora não seja ilegal, possa ser prejudicial, especialmente para crianças. Isso inclui a implementação de medidas de verificação de idade e a oferta de ferramentas de controlo parental.

A abordagem da lei é baseada no princípio do “dever de cuidado”, o que significa que as plataformas devem tomar medidas razoáveis para proteger os seus utilizadores. Este dever aplica-se a uma ampla gama de serviços online, desde redes sociais e motores de busca até fóruns e serviços de mensagens. A complexidade da lei e a amplitude da sua aplicação geraram debates sobre o seu impacto na liberdade de expressão e na inovação tecnológica.

As Plataformas Visadas: 4chan, Gab e Kiwi Farms

As três plataformas que receberam notificações de violação do Ofcom – 4chan, Gab e Kiwi Farms – são conhecidas por diferentes razões e operam com modelos distintos, mas partilham a reputação de serem ambientes onde o conteúdo controverso e, por vezes, prejudicial, pode proliferar.

4chan

O 4chan é um imageboard anónimo fundado em 2003. Caracteriza-se pela sua natureza efémera e pela ausência de registo de utilizadores, o que permite a publicação de conteúdo sem atribuição direta. O site é dividido em vários “boards” dedicados a diferentes tópicos, desde anime e jogos até política e discussões gerais. Embora o 4chan seja uma fonte de memes e cultura da internet, também tem sido associado à disseminação de conteúdo extremista, discurso de ódio, assédio e material ilegal. A sua estrutura anónima e a moderação mínima em alguns boards tornam-no um desafio para a regulação tradicional.

Gab

Gab é uma rede social que se autodenomina uma plataforma de “liberdade de expressão”, lançada em 2016. Ganhou popularidade entre utilizadores que foram banidos de outras plataformas de redes sociais mainstream devido a violações das suas políticas de conteúdo. Gab é frequentemente associado a comunidades de extrema-direita, nacionalistas brancos e teóricos da conspiração. A plataforma tem uma política de moderação de conteúdo muito mais permissiva do que a maioria das redes sociais, o que resultou na proliferação de discurso de ódio, antissemitismo e outras formas de conteúdo controverso. A sua infraestrutura tem sido alvo de escrutínio devido à sua associação com eventos de violência e extremismo.

Kiwi Farms

Kiwi Farms é um fórum de discussão online que se concentra na perseguição e assédio de indivíduos que os seus utilizadores consideram “excêntricos” ou “problemáticos”. O site é notório por organizar campanhas de assédio online, incluindo doxing (revelação de informações pessoais), swatting (falsos relatórios de emergência para a polícia) e outras formas de assédio direcionado. Os alvos são frequentemente figuras públicas menores, streamers ou indivíduos com condições de saúde mental. Kiwi Farms tem sido repetidamente desativado por fornecedores de serviços de internet e empresas de segurança devido à natureza extrema do conteúdo e das atividades que hospeda, mas tem conseguido ressurgir através de diferentes domínios e infraestruturas.

A notificação do Ofcom a estas plataformas sugere que o regulador britânico as considera em violação dos deveres de cuidado impostos pela OSA, particularmente no que diz respeito à gestão de conteúdo ilegal e prejudicial. A natureza global da internet e a localização destas plataformas fora do Reino Unido levantam questões complexas sobre a jurisdição e a aplicação da lei.

O Desafio Legal de Preston Byrne e o Apelo à Administração Trump

Preston Byrne, o advogado que representa 4chan, Gab e Kiwi Farms, é conhecido pela sua defesa da Primeira Emenda da Constituição dos EUA, que protege a liberdade de expressão. A sua decisão de processar o Ofcom num tribunal federal dos EUA baseia-se na argumentação de que a Lei de Segurança Online do Reino Unido tenta exercer jurisdição sobre entidades e atividades que estão fora do seu alcance legal, violando princípios de soberania e liberdade de expressão protegidos pela lei americana.

O cerne do argumento de Byrne provavelmente reside na extraterritorialidade da OSA. Ele pode argumentar que uma lei britânica não pode ditar como as empresas americanas ou as plataformas baseadas nos EUA devem moderar o conteúdo, especialmente quando esse conteúdo é legal nos EUA e protegido pela Primeira Emenda. A Primeira Emenda proíbe o governo dos EUA de restringir a liberdade de expressão, e Byrne pode tentar estender essa proteção a entidades americanas que operam globalmente, mesmo quando confrontadas com leis estrangeiras.

O pedido de Byrne a uma futura administração Trump para “invocar todas as alavancas diplomáticas e legais disponíveis aos Estados Unidos” é uma estratégia para elevar a disputa a um nível de política externa. As “alavancas” que uma administração presidencial poderia considerar incluem:

  • Pressão Diplomática: O governo dos EUA poderia expressar preocupações formais ao governo britânico sobre o impacto da OSA na liberdade de expressão e no comércio digital, buscando negociações para mitigar o alcance da lei sobre entidades americanas.
  • Ações Legais Internacionais: Embora menos comum, os EUA poderiam explorar vias legais em fóruns internacionais, argumentando que a OSA viola princípios de direito internacional ou acordos comerciais.
  • Medidas Comerciais: Em cenários mais extremos, uma administração poderia considerar medidas comerciais retaliatórias ou sanções, embora isso seja improvável para uma questão regulatória como esta, a menos que haja um impacto económico significativo e generalizado.
  • Apoio a Desafios Legais: O governo dos EUA poderia apresentar um “amicus curiae” (amigo do tribunal) em apoio aos argumentos de Byrne nos tribunais dos EUA, ou mesmo em tribunais britânicos, se a oportunidade surgisse, para defender os princípios da Primeira Emenda.

O apelo a uma administração Trump específica reflete a perceção de que tal administração poderia ser mais propensa a adotar uma postura assertiva na defesa da liberdade de expressão online e na contestação de regulamentações estrangeiras que afetam empresas americanas, alinhando-se com a retórica de “América Primeiro” e a desconfiança em relação à regulação internacional.

Implicações e o Debate Global sobre a Regulação da Internet

Este confronto legal e diplomático destaca a crescente tensão entre as jurisdições nacionais e a natureza transfronteiriça da internet. À medida que mais países implementam as suas próprias leis de segurança online, a possibilidade de conflitos de leis e jurisdição aumenta. A situação entre o Reino Unido e as plataformas representadas por Byrne é um exemplo claro dos desafios inerentes à governação da internet.

O debate central gira em torno de como equilibrar a necessidade de proteger os cidadãos de conteúdo prejudicial e ilegal com a preservação da liberdade de expressão e a prevenção da fragmentação da internet. A abordagem do Reino Unido com a OSA reflete uma tendência global de governos que procuram exercer maior controlo sobre o espaço digital, impulsionados por preocupações com desinformação, extremismo, assédio e a segurança de crianças online.

Por outro lado, os defensores da liberdade de expressão, como Preston Byrne, argumentam que a regulação excessiva pode levar à censura, sufocar a inovação e criar um precedente perigoso para a restrição de direitos fundamentais. A Primeira Emenda dos EUA é frequentemente citada como um baluarte contra tais restrições, e a sua aplicação no contexto digital global é um campo de batalha legal e filosófico.

A resolução deste caso poderá ter implicações significativas para a forma como as leis de segurança online são aplicadas internacionalmente. Poderá estabelecer precedentes sobre a extensão da jurisdição nacional sobre plataformas globais e influenciar a forma como os governos abordam a regulação da internet no futuro. A interação entre as leis nacionais, os princípios de direito internacional e a política externa será crucial para moldar o ambiente digital global.

A questão de saber se uma administração dos EUA intervirá para proteger estas plataformas da lei britânica permanece em aberto. No entanto, o pedido de Preston Byrne sublinha a complexidade e a importância das questões em jogo, à medida que as nações lutam para definir os limites da regulação no mundo digital interconectado.

Fonte: https://www.theverge.com/politics/764653/4chan-uk-online-safety-act-trump

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